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Fabio Giambiagi*
Tendo escrito tantas vezes em defesa de uma reforma da Previdência, tenho sido confrontado, nos últimos meses, com a seguinte indagação: "O que você tem a dizer acerca da queda do déficit do INSS? Isso não prova que você estava errado ao defender a alteração das regras de aposentadoria?" Em face da evidente melhora do resultado do INSS em 2008, a pergunta é natural. Antes de responder, porém, há que considerar três fatores:
a) O tema previdenciário não pode ser avaliado à luz do que acontece em um ano específico, e sim em razão do que ocorre com as mudanças demográficas ao longo de 30 ou 40 anos;
b) minha defesa da reforma não se relaciona com o argumento - equivocado - de que, na ausência de uma mudança de regras, as contas públicas tenderiam ao colapso, e sim ao fato de que, se a Previdência é generosa, sobram menos recursos para atividades essenciais para alavancar a expansão futura do País, notadamente a educação e a infraestrutura; e
c) ter a idade média de aposentadoria por tempo de contribuição de 53 anos - e de 51 anos para as mulheres -, beneficiando essencialmente indivíduos que estão nas faixas superiores da distribuição de renda, num país com os problemas graves que tem o Brasil, me parece um equívoco, independentemente das contas do INSS serem muito ou pouco deficitárias.
Vamos agora à análise das contas em 2008, quando o balanço de receitas e despesas do INSS se viu afetado por três fatos, cada um deles importante e dificilmente passíveis de repetição, pelo menos nos próximos anos. Em primeiro lugar, o crescimento foi exuberante. Basta citar alguns dados: o PIB, pelos indicadores disponíveis até agora, cresceu acima de 5%; o aumento da renda média real habitualmente recebida, captado pelas estatísticas da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), foi de 3,4%; e o crescimento do número médio anual de pessoas empregadas com carteira de trabalho foi notável: 7,1%. Com isso, a renda total do universo de empregados que constitui a base de recolhimento da contribuição do INSS teve um aumento raras vezes visto na história do indicador no Brasil. Não é de espantar, portanto, que a receita do INSS tenha se elevado de 5,4% para 5,6% do PIB entre 2007 e 2008.
Em segundo lugar, há um detalhe importante: em 2007, por questões administrativas ligadas à distribuição dos pagamentos bancários ao longo do mês, aproximadamente 1/3 dos aposentados e pensionistas recebeu 14 depósitos, uma vez que em dezembro daquele ano tiveram antecipado o pagamento que seria recebido na conta apenas em janeiro e, a partir de então, voltaram a receber um pagamento mensal. Com isso, além do 13º salário, naquele mês tais pessoas receberam dois pagamentos: o valor de novembro - pago normalmente no começo do mês seguinte - e o de dezembro, que foi antecipado, em relação à prática anterior. O resultado disso é que a despesa de 2007 foi "engordada" por um fator excepcional e a situação em 2008 voltou ao normal. O mais apropriado, portanto, é comparar 2008 com 2006 e, nesse caso, comprova-se que a despesa do INSS foi praticamente a mesma, em termos relativos, de quase 7% do PIB - apesar do forte crescimento do PIB no biênio.
Finalmente, graças aos bons serviços da equipe técnica do Ministério da Previdência - que tem resistido aos transtornos causados pelo fato de o País ter tido nada menos do que sete ministros de Previdência ao longo da atual década -, o governo se mexeu e passou a atacar as flagrantes irregularidades que há vários anos geravam uma despesa absurda com auxílio-doença, a ponto de o número de indivíduos beneficiados nessa categoria ter aumentado de 500 mil pessoas/mês, em 2001, para 1,5 milhão de pessoas em meados da década. Graças às medidas de combate às fraudes, tal contingente de beneficiados começou a cair e, na média anual, em 2008, teve uma diminuição física considerável, de mais de 13%.
O que vai acontecer em 2009? Exatamente o contrário do que ocorreu em 2008: 1) A economia e a receita do INSS vão crescer muito menos; 2) o "efeito-base" do pagamento de 14 folhas não contará mais; e 3) o volume de auxílio-doença provavelmente vai estacionar, mais cedo ou mais tarde. Com isso e com o governo continuando a aumentar o valor real de 2 de cada 3 aposentadorias, o desequilíbrio entre a despesa do INSS e a receita de contribuições vai voltar a aumentar. Isso é tão certo como 2 + 2 são 4.
*Fabio Giambiagi, economista do BNDES, é autor do livro
Reforma da Previdência (Ed. Campus)