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Osvaldo Gianotti Antoneli
As esferas criminal e tributária sempre caminharam lado a lado no emaranhado de leis e decretos que compõem o sistema jurídico brasileiro. Basta verificar que em 1830, já existia previsão de punição criminal pelo não pagamento de impostos devidos em face da importação ou exportação de mercadorias no país.
Esta ligação entre as esferas criminal e tributária serviu como pano de fundo para inúmeras discussões concernentes aos crimes tributários. E em tempos de crise financeira, com as dívidas tributárias se acumulando dia a dia, oportuno se faz levantar discussão atual, que diz respeito ao contribuinte devedor.
De fato, nos dias de hoje, a discussão está centrada na questão atinente à não punição criminal dos contribuintes devedores, em especial após a advento da Lei 10.684/03, conhecida no âmbito empresarial como a Lei do Refis II.
A referida lei inovou ao estabelecer a não punição criminal do contribuinte devedor em razão do pagamento integral do débito tributário, junto ao Fisco, à qualquer tempo.
Em outros termos, deixou claro que a quitação da dívida, pelo contribuinte devedor, impede sua punição criminal, ainda que este devedor esteja sendo processado criminalmente ou já tenha sido condenado pelo juiz criminal.
Todavia, em que pese a novidade, temos para nós que a discussão sobre a não punição criminal passou ao largo de tema certamente controverso, que ganha corpo no cenário dos crimes tributários: o depósito do valor devido — pelo contribuinte — quando do ingresso com a ação anulatória de débito fiscal.
É sabido que, encerrado o embate entre o contribuinte devedor e o Fisco na esfera tributária, e tendo o Fisco saído vitorioso, é possível ao contribuinte contestar judicialmente sua derrota, por meio da denominada ação anulatória de débito fiscal.
Nos termos do Código Tributário Nacional, ao ingressar com ação anulatória, o devedor pode depositar, em juízo, o valor integral do débito tributário. Se a ação for julgada improcedente, o valor integral depositado será automaticamente convertido em favor do Fisco.
Em palavras mais singelas, caso o contribuinte perder o embate judicial, o montante depositado será automaticamente convertido em favor do Fisco, ou seja, o débito tributário estará pago na hipótese de eventual improcedência da ação anulatória de débito fiscal intentada pelo contribuinte.
Imaginemos, por exemplo, que o leitor ostente uma dívida de R$ 10 mil para com o Fisco, reconhecida após o embate na esfera tributária. Para contestar referida derrota, ingressa com ação anulatória de débito fiscal e deposita — em juízo — exatamente o montante integral devido ao Fisco, no valor de R$ 10 mil.
Em caso de outra derrota na esfera judicial — improcedência da ação anulatória de débito fiscal — o valor integral depositado de R$ 10 mil será automaticamente revertido em benefício do Fisco, encerrando, assim, a dívida tributária existente.
Ora, se o montante devido pelo contribuinte (R$ 10 mil) está depositado em juízo e, na hipótese de perda da ação anulatória, o valor será revertido automaticamente em favor do Fisco, temos para nós que o depósito do valor, caracteriza a hipótese de não punição criminal do contribuinte prevista na Lei do Refis II.
Em outros termos, basta a interpretação lógica do emaranhado de leis e fácil é a constatação de que o simples depósito do valor integral em juízo, equivale ao próprio pagamento do débito, já que tal depósito será revertido automaticamente em proveito do Fisco na hipótese de improcedência da ação anulatória.
E se o depósito do valor integral em juízo equivale ao próprio pagamento do débito tributário, indubitável que o depósito deve impedir a punição criminal do contribuinte devedor, encerrando o processo criminal já existente e obstando a instauração de eventual processo criminal em desfavor do contribuinte.
Entretanto, não obstante a atualidade deste tema, o fato é que tal discussão ainda não alcançou o devido destaque nos tribunais brasileiros, havendo raríssimas decisões reconhecendo que o depósito do montante integral em juízo equivale ao próprio pagamento do débito.
Mas, diante do cenário de crise financeira, e tendo em vista o benefício ao contribuinte — decorrente do reconhecimento de que o depósito do valor integral em juízo equivale ao pagamento do débito tribuário — cremos que isso não demorará a acontecer.
Osvaldo Gianotti Antoneli é mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da USP e sócio do escritório Reale Moreira Porto Advogados.