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Nesse clima cinzento, a questão que se coloca é: quando deve ser feita a discussão sobre a reforma trabalhista? Existem duas correntes. Uma é a dos que julgam que o momento é para centrar o foco apenas nas medidas emergenciais, com a finalidade de garantir o maior número de empregos possíveis e superar a crise.
Procuram, assim, dentro das leis atuais, caminhos para acordos que evitem o desemprego. Consideram que uma discussão sobre a reforma trabalhista, no atual momento, pode ser contaminada pelo clima de incertezas que vive a economia global e, consequentemente, a economia local. Temem, portanto, que uma proposta de reforma elaborada numa época de desaceleração abrupta da economia possa fazer surgir um modelo trabalhista reacionário aos tempos modernos.
A outra corrente é a dos que acreditam que, paralelamente aos esforços voltados para as providências emergenciais, visando a curto prazo minimizar o problema do desemprego, deve se iniciar já uma discussão profunda objetivando a tão adiada reforma trabalhista. Sou um desses. Creio que o momento é propício ao debate sobre a nossa legislação. O País perdeu momentos oportunos para levar adiante essa discussão. Não dá mais para esperar. Além disso, as medidas emergenciais são válidas apenas por um período de tempo.
Só para lembrar o quanto essa discussão tem sido protelada, nos anos 80 e 90 este jornal já fazia vários editoriais acusando a inevitabilidade de rever as leis trabalhistas brasileiras. Entretanto, os anos foram se passando e a necessidade da reforma foi esquecida. A lógica do esquecimento funciona da seguinte maneira: quando a nossa economia melhora, as empresas se voltam à busca ansiosa de profissionais para darem conta do aumento da demanda de seus produtos ou serviços. É o momento em que o País vai alegremente empurrando com a barriga uma legislação caduca, cujos pilares básicos foram arquitetados nos anos 30 e 40 no Brasil.
O crescimento econômico produz uma euforia que impede pensar em reformas estruturais. Por outro lado, quando a economia piora, os esforços se voltam para quesitos trabalhistas puramente emergenciais, procurando evitar o desemprego, deixando de lado novamente a tão necessária revisão da nossa legislação.
Assim, a história mostra que claudicamos em ocasiões preciosas para realizarmos esse debate. Portanto, o momento é agora. E estou assinalando não só uma reforma trabalhista no seu conteúdo, mas também na sua forma. Quanto ao conteúdo, trata-se de rever as leis em si. Estudar quais leis não fazem mais sentido em existir e quais devem ser alteradas. Ao mesmo tempo, verificar que dispositivos legais devem ser criados, visando a atender as atuais necessidades para uma harmoniosa relação entre o capital e o trabalho.
Por exemplo: a lei que estabelece os quadros de carreiras nas empresas está adequada à realidade atual? Os encargos trabalhistas e previdenciários, que incidem sobre os salários, estão de acordo com o potencial econômico da empresas para a geração de empregos? Há uma série de dispositivos legais que precisam ser analisados à luz dos novos tempos e há também uma infinidade de novas práticas trabalhistas que hoje estão fora de um ordenamento jurídico e que necessitam de uma regulamentação.
No que tange à forma, a revisão da legislação trabalhista também precisa estar atenta. A discussão urge girar em torno dos próprios instrumentos jurídicos que devem vigorar para disciplinar os direitos e os deveres tanto dos empregados quanto dos empregadores. Um é o modelo da Consolidação da Leis do Trabalho (CLT), que impõe as leis, eliminando praticamente os processos de negociações entre as partes. O outro modelo, fundado no Contrato Coletivo de Trabalho, tem por essência a negociação entre as partes. Qual modelo deve prevalecer? São com esses propósitos que se instaura o debate sobre a reforma trabalhista.
Pois bem, o conteúdo e a forma não são objetos de análise deste artigo. Ficam para outra oportunidade. Insisto aqui em ir até o fim numa discussão séria sobre a reforma na nossa legislação trabalhista. Se continuarmos na batida do som dado pela nossa história ela nunca vai acontecer. Ao trabalharmos, hoje, apenas com as medidas emergenciais, fazendo acordos mediante as leis atuais extremamente engessadas, procurando brechas na legislação para evitar o desemprego - esforços dos quais não tiro o mérito -, nós estaremos vivendo sob um paradoxo: tentar flexibilizar o inflexível.
*Sérgio Amad Costa é professor de Recursos Humanos e Relações Trabalhistas da FGV-SP