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A tributação no Brasil em relação ao PIB tem aumentado intensamente desde 1988, quando foi promulgada a Constituição Cidadã. Segundo dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) , em 1988, a carga tributária representou 20,01% do PIB; no curto período de 1998 a 2002, ela saltou de 27,38% para 32,64%. Em 2010, ela alcançou 35,13% do PIB.
Apesar dessa expressiva arrecadação, o Brasil, que deveria com ela promover os direitos fundamentais da população, continua sendo um país marcado pela desigualdade, seja entre suas regiões, seja dentro delas. Por exemplo, enquanto os 10% mais ricos detêm mais de 40% da renda nacional, aos 40% mais pobres cabem 10%. A renda que pertence ao grupo 1% mais rico é igual à dos 45% mais pobres .
Nesse cenário, de carga tributária crescente, ainda assim, é muito baixo o retorno social oferecido pelo Estado e a resposta dos cidadãos vem sob a forma de descrença quando o pagamento de tributos não garante o atendimento das necessidades prioritárias da sociedade.
Pior, além de os tributos soarem como gasto privado aparentemente inútil, boa parte da população se vê premida a pagar mais uma vez pelos serviços públicos ineficientes em qualidade e oferta: contratando escolas e faculdades particulares, planos privados de saúde; habitando imóveis cercados de grades e isolando as janelas. Câmeras, cercas cortantes sobre muros altos, e mesmo cercas elétricas e vigias são necessários. Faltando quadras esportivas, praças e parques seguros e bem conservados, gasta-se em lazer privado além do razoável.
Na maioria das vezes, no cálculo dos tributos que pagam, as pessoas só levam em conta os tributos diretos, que são os que incidem sobre o patrimônio e a renda (IPTU, IPVA, ITBI, IR, dentre outros), e são mais evidentes em seu valor. Porém, além desses, existem os tributos indiretos, incidentes sobre a produção e o consumo (IPI, ICMS, ISS, PIS, COFINS, por exemplo).
Por desconhecimento e falta da devida divulgação (em descumprimento ao art. 150, parágrafo 5º da Constituição), muitos não sabem quanto pagam e nem sequer que pagam tributos ao comprar um simples quilo de arroz ou feijão no mercado, um caderno na papelaria, ou um simples pãozinho na padaria. A questão básica é que os impostos indiretos vêm embutidos secretamente no preço das mercadorias e serviços. Justamente esses são os impostos que têm maior participação no total da arrecadação: cerca de duas vezes do que os impostos diretos.
A preponderância da tributação indireta traz a regressividade para o sistema tributário: quanto menor é a renda do contribuinte, maior a carga tributária. O cidadão de menor renda compromete maior percentual de seu salário com o consumo de itens para sua subsistência do que aquele mais abastado, que ainda consegue destinar parte de sua renda para poupança. Proporcionalmente à sua renda, os mais ricos pagam menos impostos. Inverte-se, assim, a equação da igualdade relativa na sociedade: e quem menos tem mais paga.
Essa invisibilidade dos impostos indiretos ao Contribuinte, por sua vez, acaba provocando um outro efeito: a anestesia da cidadania tributária, que reforça a incredulidade da população no Estado. Como os tributos não são percebidos como necessários à oferta e melhoria de qualidade dos serviços públicos (já que a arrecadação aumenta, mas o dinheiro, mal empregado, não traz o correspondente e esperado retorno social), muitos deixam de pagar impostos e outros tantos sequer têm estímulo para denunciar a sonegação.
Há que se desenvolver uma cultura que valorize o papel dos impostos na efetivação de direitos fundamentais do povo, que estimule seu pagamento consciente e que enseje a fiscalização espontânea vinda de cada cidadão em benefício da sociedade.
E, se o exemplo vem de cima, cabe aos governos tratar eticamente a questão fiscal: melhorar a qualidade da despesa pública e dar transparência à carga tributária que financia os gastos do Estado frequentemente desviados de sua função, que é atender aos direitos fundamentais da população, na busca da igualdade social. Um país que almeja reconhecimento internacional de suas proezas macroeconômicas não pode deixar de se converter primeiro, pondo fim a uma infeliz tradição de governos ímprobos, gastadores e vorazes, num círculo vicioso que emperra e empana o desenvolvimento nacional.
José Marcos Domingues
Professor titular de Direito Financeiro da Uerj, coordenador do Laboratório de Políticas Públicas e Justiça Fiscal (Lappjus)