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*Ana Clara Franke Rodrigues
A Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) foi instituída em 2011 pela Lei 12.546/2011 como parte do Plano Brasil Maior, visando reduzir os custos trabalhistas e estimular a competitividade da indústria nacional. A proposta era promissora: permitir que empresas de determinados setores substituíssem a contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de pagamentos por uma alíquota sobre a receita bruta, variando de 1% a 4,5%, conforme a atividade, o setor econômico e o produto fabricado.
A recepção inicial foi positiva, mas após sucessivas prorrogações ao longo dos anos, a viabilidade fiscal dessa política começou a ser questionada, levando a ajustes legislativos. A história recente da CPRB ilustra bem essa tensão. Em junho de 2023, o Senado aprovou o Projeto de Lei 334 prorrogando a desoneração até 2027, enquanto mantinha pelo mesmo período o aumento de 1% na alíquota da Cofins-Importação para compensar. A proposta incluía ainda uma redução na contribuição previdenciária de municípios pequenos, algo que parecia razoável. No entanto, o PL 334 foi integralmente vetado pelo presidente Lula no final do ano. Posteriormente, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial e promulgou a Lei 14.784/2023, contrariando a intenção do Poder Executivo.
O veto presidencial teve como justificativa o impacto fiscal negativo, mas também evidenciou um conflito entre Executivo e Legislativo sobre a melhor forma de estimular a economia sem comprometer as finanças públicas. Por este motivo, o Executivo editou, na sequência, a Medida Provisória 1.202/2023, alterando a Lei 14.784/2023, originada do PL 334. Esta MP previa a reinstituição gradual da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento.
A MP 1.202 não ia ser analisada pelo Congresso, que pretendia deixá-la caducar, fazendo com que perdesse seus efeitos e a Lei 14.784/2023 voltasse a vigorar, reinstituindo a desoneração. No entanto, para evitar a caducidade, o Presidente editou a Medida Provisória 1.208/2024, revogando dispositivos da MP 1.202.
Adicionalmente, o Executivo levou a questão ao Supremo Tribunal Federal, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Em 26 de abril de 2024, o ministro Cristiano Zanin suspendeu os dispositivos que prorrogavam a CPRB, um movimento que gerou ainda mais incerteza. A Receita Federal prontamente instruiu as empresas a retomarem a contribuição tradicional de 20% já em maio de 2024.
Essa constante mudança de regras cria um cenário de insegurança jurídica. Empresas que planejaram suas finanças com base na CPRB foram abruptamente obrigadas a recalcular suas obrigações, o que não é apenas inconveniente, mas também prejudicial para o planejamento de longo prazo.
Nesse cenário de incertezas, muitos contribuintes ajuizaram medidas judiciais, e algumas liminares favoráveis à noventena começaram a ser divulgadas. Também começou a correr a notícia no início de maio de que o governo federal teria apresentado aos setores beneficiados uma proposta de “reoneração híbrida” e que os parlamentares avaliavam aprovar uma proposta para adiar por 90 dias a reoneração das prefeituras e da folha de pagamento.
No dia 9 de maio de 2024, a notícia foi confirmada, tendo o Presidente do Senado e o Ministro da Fazenda anunciado publicamente que o legislativo e o executivo chegaram a um acordo sobre a desoneração da folha de pagamento para os 17 setores intensivos em mão de obra. Segundo a proposta noticiada, a CPRB será mantida para 2024, e a partir de 2025 haverá uma reoneração gradual até 2027 (5% sobre o total dos salários em 2025, 10% em 2026 e 15% em 2027, com a retomada dos 20% em 2028).
A despeito das notícias, até o final da tarde do dia 15 de maio de 2024, data em que os contribuintes deveriam transmitir o eSocial, a DCTFWeb e a EFD-Reinf com informações sobre a CPRB, não havia nenhuma alteração na ADI 7633, e a liminar suspendendo a CPRB permanecia válida. Aos contribuintes restou o envio da declaração com a informação de recolhimento “normal” até mesmo porque desde o dia 6 de maio de 2024 o eSocial havia indisponibilizado a opção pela CPRB.
Apenas às 22h07 do dia 15 de maio de 2024, a Advocacia Geral da União (AGU) peticionou na ADI 7633 informando estar em tratativas com o Congresso Nacional e requerendo a suspensão do processo por 60 dias, assim como a modulação prospectiva dos efeitos da medida cautelar concedida pelo mesmo período a contar do final da suspensão do processo, garantindo assim o intervalo necessário à deliberação legislativa.
O Congresso se manifestou favoravelmente ao pedido da União em 17 de maio de 2024, e no mesmo dia o Ministro Zanin atendeu à solicitação das partes, dado o relato dos Poderes envolvidos acerca do engajamento no diálogo institucional para que sejam tomadas as providências necessárias para evidenciar o cumprimento do art. 113 do ADCT.
No dia seguinte, a RFB publicou nova nota de esclarecimento informando que as empresas e os municípios beneficiados pelas desonerações poderiam retificar as declarações (eSocial/ DCTFWeb/EFD-Reinf) relativas ao mês de abril de 2024 prestadas até o dia 15 de maio para que o recolhimento do tributo com vencimento até 20 do mesmo mês fosse feito conforme a norma aplicável.
Apesar do vaivém, a confusão parece resolvida nos próximos 60 dias. A expectativa agora é para que o Projeto de Lei 1.847/2024 seja aprovado antes da retomada dos efeitos da liminar, confirmando assim a vigência da CPRB durante todo o ano de 2024.
Essa sucessão de eventos mostra como as decisões políticas e judiciais impactam diretamente o ambiente de negócios, não só dificultando o planejamento empresarial como também desestimulando os investimentos. A reoneração gradual da CPRB parece ser um meio-termo viável, mas a verdadeira solução reside na estabilidade das regras tributárias e na previsibilidade das políticas fiscais, permitindo que as empresas possam focar no crescimento e na inovação. Somente assim o Brasil poderá criar um ambiente propício para o desenvolvimento econômico sustentável e competitivo, o que se almeja desde a criação da CPRB.
*Ana Clara Franke Rodrigues é sócia do Departamento Tributário da Andersen Ballão Advocacia. Formada em Direito pela UniCuritiba e em Farmácia Industrial pela UFPR, pós-graduada em Administração de Empresas pela ISAE-FGV e em Direito Empresarial e Processual Tributário pela PUC-PR.